terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Defeso do caranguejo-uçá: preservando a espécie, cultura e economia

O período de Defeso foi instituído pelo Ibama e visa proibir a captura predatória das espécies
Notícia retirada da página da UFMA 
 

Presente em tortas, salgadinhos, feito na casquinha. Do restaurante mais simples ao mais refinado, o caranguejo-uçá é uma especiaria que sai dos mangues para a mesa de muitos brasileiros das regiões litorâneas. Esse crustáceo é abundante nos Estados do Sergipe, Bahia, Pará e, principalmente, no Maranhão. Ele movimenta não apenas a economia, mas também é de fundamental importância para a cultura e para algumas religiões. Visando proteger esses crustáceos, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) instituiu o Defeso, que é o período de proteção à reprodução das espécies.

O Defeso foi instituído devido à vulnerabilidade dos caranguejos durante o seu período de reprodução. No fenômeno chamado de andada, os caranguejos saem, literalmente, andando em busca de seus parceiros para acasalar e ficam muito sensíveis, ocasionando uma intensa captura predatória, pois qualquer pessoa pode pegá-lo. Como explica a fundadora e coordenadora do Centro de Recuperação de Manguezais (Cermangue) na UFMA, professora Flávia Mochel, “nessa época, eles ficam andando e estão muito vulneráveis, qualquer pessoa pode apanhá-los. Quem não é profissional, vai catar qualquer um. Já quem conhece, tem o cuidado de apanhar só os machos. Mas até essa ação é perigosa, pois prejudica a reprodução, já que cada macho capturado na época da reprodução equivale a uma fêmea que não será fecundada. Há muitas fêmeas que ficam sem acasalar, comprometendo toda a estrutura social, pois com o crescimento demográfico e a queda na reprodução dos caranguejos, chegará um dia em que eles não mais conseguirão atender à demanda do mercado”, informa Flávia.

O Defeso do caranguejo-uçá tem algumas interrupções ao longo dos meses devido ao fato desse crustáceo ser importante para a economia. Em vez de ter três meses diretos de interrupção, o Defeso se dá em determinadas semanas. “O Defeso tem intervalos de respiros para a economia. Esses intervalos são determinados pelas marés, que são influenciadas pela lua. Na lua cheia e na lua nova é que a maioria dos caranguejos sai para acasalar”, enfatiza Flávia. Durante o período da andada, é terminantemente proibida a captura desses seres, pois eles ficam muito vulneráveis. “Os caranguejos ficam meio tontos durante a andada, não tem os mecanismos de defesa. Eles saem andando aos montes, isso pode prejudicar a preservação”, disse.

Em 2013, o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) demarcaram os três períodos de Defeso: de 12 a 17 de janeiro e de 28 de janeiro a 2 de fevereiro; de 11 a 16 de fevereiro e de 26 de fevereiro a 3 de março; de 12 a 17 de março e de 28 de março a 2 de abril. Mas o Defeso não ocorre apenas entre janeiro e março, ocorre também em julho, agosto, setembro e outubro, período de desenvolvimento da espécie. Por ser um crustáceo, ele sai da casca, fica mole e extremamente vulnerável. Nesse período, ele está trocando a carapaça e dando a cria. Há Defeso nessa época também, pois se interferirem em seu processo de desenvolvimento ele não cresce, já que o caranguejo passa de 6 a 7 anos para ficar no tamanho adulto.

Segundo Flávia Mochel, proteger a reprodução desses crustáceos é importante por vários motivos: primeiro, por seu direito natural de viver, pois é um componente da biodiversidade do planeta. Além disso, ele tem grande importância socioeconômica. “O caranguejo é um recurso alimentar de grande representatividade em comunidades do litoral brasileiro. Há muitas receitas tradicionais e comidas típicas. A manutenção da espécie garante a biodiversidade ambiental, cultural e social, garantindo que as pessoas comam, comercializem e mantenham suas crenças. Esse recurso faz parte da economia de mercado no litoral brasileiro e o Maranhão é líder na maior área de manguezal e, consequentemente, em quantidade de caranguejos.

Contaminação

Além dos riscos que correm durante a reprodução, os caranguejos estão sendo alvo da contaminação de seu habitat natural; a população tem aumentado de forma rápida e os espaços territoriais estão sendo ocupados. A construção de casas em áreas de mangues está comprometendo a estrutura desse ambiente, por causa da poluição, diminuindo a reprodução de seres desse habitat. Em algumas regiões do país, como Ceará e Piauí, já houve uma exploração muito grande do caranguejo, ou seja, houve mais retiradas do que ele pôde repor de estoque, e hoje, esses Estados importam caranguejos do Maranhão. Para Flávia Mochel, não adianta apenas ter uma lei de defesa da reprodução se a população não tiver ciência dos riscos que a espécie sofre de entrar em extinção. “Só a lei não ajuda nada, tem que haver conhecimento da população. Só as pessoas podem ajudar censurando os estabelecimentos que comercializam o caranguejo na época do defeso e denunciar as práticas ilegais”, defende.

Além disso, a pesquisadora aponta que não existe o caranguejo de estoque, só fica estocada a carne para torta, mas o caranguejo em si, que se faz a caranguejada, só pode ser cozido vivo. Então, ao chegar a um estabelecimento onde estão servindo a caranguejada no período de defeso, é fundamental que o consumidor censure tal ação e ainda, não peça caranguejo nessa época, pois aumenta a demanda e impulsiona os comerciantes a venderem os crustáceos no tempo indevido.

Importância na preservação dos mangues

Os caranguejos se alimentam basicamente de folhas. Ao se alimentarem, eles trituram as folhas e permitem que animais menores se alimentem também. Eles são responsáveis, também, pela oxigenação do solo, pois ao fazerem suas tocas, revolvem o solo mais profundo e auxiliam na distribuição de nutrientes, que depois serão levados para o mar com as cheias e vazantes de maré. O caranguejo é importante para a manutenção dos manguezais, já que cerca de 68% das folhas ingeridas por esse caranguejo retornam na forma de partículas, maximizando em até 70% a eficiência da ação bacteriana. Dessa forma, o caranguejo-uçá consegue suprir o ambiente com biodetritos, seja por consumir ou por estocar as folhas em sua galeria, promovendo, assim, a retenção dessa matéria orgânica no manguezal e evitando sua exportação para ecossistemas adjacentes com a maré vazante.

“O caranguejo é extremamente útil, importante para o homem e para o meio ambiente. Ele faz a reciclagem das matérias orgânicas dos manguezais. Ele faz parte da cadeia alimentar, é altamente consumido por peixes que nós consumimos. Por mais que alguém não coma caranguejo, pode se alimentar de um peixe que consome o crustáceo. Se uma espécie some, outras são atingidas, pois o ciclo alimentar é interrompido”, explica Flávia Mochel. 


Foto de Capa: portaldopeixe.com
Revisão: Juliana Lavra Lugar: Cidade Universitária
Fonte: Liliane Cutrim




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