A edição da Revista Veja deste 14 de março, que trouxe como um dos destaques a matéria "Ameça ao Berçário", entrevistou a Coordenadora do Cermangue, Flávia Mochel_ Professora do Departamento de Oceanografia e Limnologia (DEOLI), da UFMA_ que falou dos impactos que a criação de camarões traz ao Manguezal.
Segundo ela, "para aumentar a produtividade, os carcinicultores enchem os criadouros de pesticidas e antibióticos. Na época da coleta dos camarões, esse material é escoado sem filtragem para o manguezal. Os tanques têm vida útil de, no máximo, dez anos. Depois desse período, os criadores os abandonam e escavam novos tanques, destruindo outra área de manguezal".
Confira a matéria na íntegra.
O novo Código Florestal pode agravar a depredação dos manguezais,
ecossistemas que se estendem por dezesseis estados e são a base da
biodiversidade no litoral. Foram escolhidas cinco regiões na costa brasileira,
nos estados do Pará, Maranhão, Piauí, Paraíba, São Paulo e Paraná, onde serão
feitas experiências de gestão e preservação dos recursos.
Quando
se fala em ecossistemas ameaçados pela ação humana no Brasil, logo vêm à mente
a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica, que sofrem desmatamento acelerado, e o
Pantanal ocupado de forma desordenada. Menos lembrados são os manguezais,
embora eles tenham importância crucial para a manutenção da vida na costa
brasileira. Os manguezais estão presentes em dezesseis estados que têm litoral
- a única exceção é o Rio Grande do Sul. O Brasil
abriga a terceira maior área de manguezais do planeta, mas estima-se que um
quarto da região de mangue original já tenha sido destruído, em parte para a
instalação de salinas e de fazendas marinhas para a criação de camarões. Se o
novo Código Florestal, que deve ser votado na Câmara dos Deputados nos próximos
dias, for aprovado com o texto que já passou pelo Senado, a situação dos
manguezais poderá se deteriorar ainda mais. Pelo código atual, os mangues são
áreas de preservação ambiental, ou seja, não podem ser ocupados nem desmatados.
O texto do novo código prevê o uso de 10% a 35% dos manguezais - dependendo do
estado - justamente para a instalação de salinas e para a criação de camarões.
Os manguezais são basicamente o ecossistema de transição entre o mar e o
continente. Encontram-se apenas nas regiões mais quentes do globo,
principalmente na faixa entre os dois trópicos. Para se desenvolverem
plenamente, necessitam de muita irradiação solar, chuvas fartas e grande
amplitude de marés Na costa dos estados do Amapá, Pará e Maranhão, os
manguezais chegam até 40 quilômetros de largura e suas árvores alcançam mais de
40 metros de altura. O terreno lodoso característico desse bioma é formado por
sedimentos de origem marinha e continental, restos de folhas, galhos e animais
em decomposição. Isso toma o ambiente rico em matéria orgânica, o que atrai
espécies de micro-organismos e animais que usam aquela região como fome de
alimento e refúgio contra predadores.
Ao longo de toda a costa brasileira, as pessoas que moram próximo ao
manguezal dependem de sua riqueza para a subsistência. É comum a coleta de
crustáceos e moluscos que vivem enterrados na lama para o comércio. "Cerca
de 70% das espécies de peixes, moluscos e crustáceos que são pescadas
comercialmente no litoral brasileiro têm relação com os manguezais em alguma
fase de sua vida", diz a bióloga Yara Schaeffer Novelli, orientadora do
programa de pós-graduação em oceanografia da Universidade de São Paulo. Os
manguezais também servem de refúgio para aves migratórias. Os mangues do
Maranhão e Pernambuco, e também os da região de Cubatão, no litoral paulista,
recebem batuíras e maçaricos, aves típicas do norte do Canadá e Estados Unidos,
que se recuperam ali após a longa viagem.
A
flora dos manguezais não apresenta grande variedade. Existem basicamente seis
espécies de planta nesse ecossistema no litoral brasileiro. Suas raízes
expostas servem como filtro dos sedimentos que correm misturados à água e
também como fator atenuante de tempestades em áreas costeiras. Em Cubatão, as
folhas e os troncos das árvores de mangue às vezes se cobrem de uma película
oleosa, composta de resíduos da queima e refino de petróleo na região. Sem esse
filtro natural, a poluição na área poderia ser ainda mais imensa, afetando
diretamente as praias da Baixada Santista.
Hoje,
no Brasil, a faixa de manguezal mais ameaçada é a área conhecida como apicum,
palavra de origem tupi que significa "brejo de água salgada". Os
apicuns ocorrem geralmente nas regiões onde as marés têm dificuldade em avançar
na costa por encontrar terras elevadas. A água que chega a essas terras se
evapora rapidamente e o chão acumula tanto sal que nele sobrevive apenas a
vegetação rasteira. A aparência desolada dos apicuns é enganosa. Seu solo
abriga boa parte da reserva de nutrientes do manguezal. Ele também serve de
abrigo para os caranguejos na fase final de seu desenvolvimento. E nos apicuns
que se instalam as criações de camarão, principalmente no Ceará, Rio Grande do
Norte e Piauí. Escavam-se enormes tanques que acabam por mudar permanentemente
as características da região. Diz a bióloga Flávia Mochel, do departamento de
oceanografia e limnologia da Universidade Federal do Maranhão: "Para
aumentarem a produtividade, os carcinicultores enchem os criadouros de
pesticidas e antibióticos. Na época da coleta dos camarões, esse material é
escoado sem filtragem para o manguezal. Os tanques têm vida útil de, no máximo,
dez anos. Depois desse período. os criadores os abandonam e escavam novos
tanques, destruindo outra área de manguezal".
A
deterioração dos manguezais brasileiros nas últimas décadas é também resultado
da ausência de projetos, em escala nacional, que visem à sua preservação e ao
uso sustentável. Durante muito tempo, os únicos trabalhos produzidos sobre o
tema eram de cunho científico, com circulação limitada às universidades e com
foco em regiões restritas. O primeiro mapeamento nacional dos manguezais foi feito
apenas em 2008, pelo Ibama. Um projeto lançado há três anos pelo Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), batizado de Manguezais
do Brasil, recebeu financiamento do Pnud, órgão das Nações Unidas que lida com
questões ambientais. Foram escolhidas cinco regiões na costa brasileira, nos
estados do Pará, Maranhão, Piauí, Paraíba, São Paulo e Paraná, onde serão
feitas experiências de gestão e preservação dos recursos. O mapeamento do
ecossistema também será atualizado, em parceria com o Ibama e o lNPE. Espera-se
que a iniciativa ajude a preservar os berçários da vida do litoral brasileiro.
Revista Veja - quarta-feira, 14 de março
Ameaça ao Berçário
Revista Veja - quarta-feira, 14 de março
Ameaça ao Berçário
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